Árvore genealógica do historiador Rudi Guimarães abrange os pioneiros da família Garcia Leal


Este presente trabalho procura elucidar as minhas raízes familiares, levando-se em conta a documentação encontrada e a nossa tradição familiar. Tenho consciência que a minha família paterna é resultado de um processo que, tendencialmente caminhou para casamentos endogâmicos, influenciados pela sua gestão patrimonial, focada na preservação dos bens dentro de um mesmo grupo familiar. Também estou convicto, que isso gerou uniões vantajosas, mesmo quando estas não eram dentro de um reduzido grupo familiar.
Já a minha família materna é envolta de inconsistências na sua genealogia, sabe-se que os Resende da região do Bolsão tem a mesma origem que os de Campo Grande; portanto, um ramo da família feirense instalada no século XVIII no Triângulo Mineiro, que dividiu-se mais tarde em Mato Grosso do Sul e Goiás. Minha trisavó Virgínia da Silva Resende é citada em documentação de herdeiros, cujo o tio João da Cruz Resende vendia uma extensa propriedade denominada de Santa Roza na região de Inocência.
O principal objectivo desse texto é dar consistência a trajectória familiar, focando-se na família paterna, minha principal referência. Começarei pelo tronco que aporta no Brasil, vindos dos Açores, os Garcia Leal, que é considerada de longe a família mãe entre os pecuaristas de Mato Grosso do Sul. Essa génese demonstrou ser prodigiosa e frutífera, tanto em termos de multiplicação patrimonial por ramos diversos, quanto em prole.
GARCIA LEAL
A história da família Garcia Leal começou no Brasil, após a chegada de numerosa família vinda da ilha de São Miguel, que instalou-se inicialmente em São Paulo, mudando-se mais tarde para o sul de Minas Gerais. Esse clã tornar-se-ia famoso, após vingar a morte de um respeitado fazendeiro, que a propósito é o meu 7º avô de nome João Garcia Leal, que foi assassinado por sete irmãos da família Silva, vizinha a sua propriedade.
Esse crime bárbaro, resultou em uma saga por busca de justiça, liderado por Januário Garcia Leal, irmão da vítima. A perseguição dos ciminosos e a morte de cada um deles, transformou-se em um conto local, expresso na cultura até os dias de hoje. O vingador ficou conhecido como sete orelhas, por tirar-lhes as orelhas da direita, secar e colocar em um colar como mostra do que acontece com os que se metem com a sua família.
João, no entanto, deixou filhos e esposa, que acabaram escolhendo para si um outro rumo, longe do sul mineiro, retornando as suas raízes paulistas. Lembrem-se, que seu pai Pedro Garcia Leal casou-se com a paulista Josepha Cordeiro Borba, filha do bandeirante Martinho Cordeiro Borges e Catarina de Borba Gato, ligando-se, portanto a famílias de tradição. Com isto, decidiram instalarem-se em Ituverava, São Paulo.
Lá concorreram a cargos de relevância que, entretanto, perderam para uma família influente local. Essa derrota para a família de duas das esposas dos irmãos Garcia, levou-os a repensar a estadia na província, optando por mudar-se para uma região esquecida e despovoada do Império do Brasil, o então sul de Mato Grosso, afamado por ser ainda uma região dominada por “selvagens” e não ter quase nenhum traço de civilização.
Em 1829, junto das famílias Barbosa, Lopes e Sousa, atravessaram os irmãos: Capitão José Garcia Leal, João Pedro Garcia Leal, Januário Garcia Leal e Joaquim Pedro Garcia Leal, o rio Paranaíba em direção ao Mato Grosso. Lá encontraram pastos de boa qualidade e terras férteis para plantio as beiras de rios e córregos, bom para constituir morada e formar fazendas. O único empecilho, eram as numerosas tribos indígenas que podiam se zangar e atacar a população branca.
Apesar dessas dificuldades, uniram-se or irmãos e as famílias amigas no interesse de conquistar e apossar daquelas terras, juntando esforços para o empreendimento. Trouxeram dezenas de carros-de-boi, gado bovino, porcos, escravos e sementes para se instalarem definitivamente. Com isto, montaram ranchos de casas de pau-a-pique cobertas com palha de buriti. Abriram também estradas através de picadas no meio do mato, com auxílio de seus escravos.
Obviamente, para consolidar essa posse, comunicaram as autoridades públicas locais. Naquela época, a área que se estende do rio do Peixe até o rio Sucuriú, era submetida a província de Goiás. Por isso, o Capitão José Garcia Leal viajou a cavalo até a sua capital, Vila boa, para requerer do governo autorização para colonizar a vasta área. No entanto, não obteve sucesso, voltando até o povoado que fundou junto com os seus irmãos. Todavia, não desistiu de instalar-se na região, procurou as autoridades da província vizinha, o Mato Grosso que requeria aquelas terras como sua.
Em Cuiabá, a recepção foi positiva, deram-lhe o cargo de Capitão e presidente da freguesia que fundará tempos atrás, encarregando-o oficialmente da colonização da região. Desta forma, o Mato Grosso anexou o território de sua província vizinha, alterando as suas divisas. Desde então, os Garcia Leal governaram a freguesia de Santana que seria elevada para vila e depois cidade.
Como forma de atração de famílias, o prodigioso capitão mandou chamar a sua parentela em Minas Gerais e São Paulo para povoar a região, doando-lhes terras na forma de latifúndios, cuja mão-de-obra seria escrava africana. Donos de vastas áreas, muitas das vezes incapazes de desbravar, formou alianças familiares através de casamentos para manter os domínios por gerações num mesmo grupo.
Esse entrelaço daria frutos por gerações, com consequências até os dias de hoje na estrutura fundiária de Mato Grosso do Sul.
Meu ancestral quatro vezes seguidos por essa família, é o Januário Garcia Leal, um dos fundadores de Paranaíba, irmão do Capitão José Garcia Leal e filho do João Garcia Leal, cruelmente assassinado. Minha ascendência vem por parte da sua filha com a primeira esposa, Maria Joaquina de Freitas, além dos irmãos Francisco Garcia Leal e Laura Garcia de Freitas, frutos com a sua esposa e ex-cunhada Luduvina Maria de Freitas.
FERREIRA DE MELLO
Este clã que é muito numeroso e abastado na região do Bolsão, chegou na esteira do desbravamento dos Garcia Leal na região, casando-se com eles, e convertendo-se em um ramo em comum. Essa família tinha como liderança o criador de gado João Ferreira de Mello, que residia anteriormente em Franca do Imperador, São Paulo, e tinha raízes familiares na Ilha do Faial, descendente de fidalgos que deixaram Portugal continental.
O que sabemos sobre, é em grande medida fruto de análise de inventários ou registos de vendas e compras no cartório de Paranaíba. Tomaram posse de terras ao lado dos Garcia Leal, chegando-se a expandir para além-do-Sucuriú através da sesmaria denominada de Campo Triste, com área de 140.000 alqueires, ou seja, 337 mil hectares. Essa orientação para sul, seria fundamental para a história do desbravamento da região de Três Lagoas, Água Clara e Santa Rita do Pardo.
Minha ascendência repete-se quatro vezes de João de Mello, através de três de seus filhos: Severina Maria de Mello, casada com o abastado fazendeiro Agostinho Paulino da Costa; Rafael Ferreira de Mello, que por sua vez, casou-se com Helena Maria da Conceição; e do Anicézio Ferreira de Mello, casado com Laura Garcia de Freitas, casal que descendo duas vezes por Maria Lucinda, minha tetravó.
Seus descendentes concentraram-se nas proximidades de Três Lagoas e Água Clara, localizados nos vales dos rios Sucuriú e Verde, transformando-se em donos de numerosos rebanhos bovinos.
CORRÊA NEVES
Os Corrêa Neves são originários da península de Setúbal, província da Estremadura, Portugal. Mudaram-se para o Brasil, conjuntamente com inúmeras famílias metropolitanas, em decorrência da descoberta de ouro. Sua ligação com os Garcia Leal surgiu através do casamento de Luís Corrêa Neves com Leodora Rodrigues da Costa, sobrinha por via materna de João Garcia Leal, alferes assassinado em São Bento Abade. Aliás, a própria família paterna de Leodora, tem ligações com outro evento histórico de relevo, a Inconfidência Mineira, pois seu tio, o padre Manuel Rodrigues da Costa, participou dessa conspiração.
*Um acrescento: a família Rodrigues da Costa, natural de Barroselas, Minho, enriqueceu através da extração de ouro.
Sua transferência familiar para os sertões bravios de Mato Grosso, está de acordo com a tradição histórica de que os Garcia Leal convenceram sua extensa parentela a se mudar, e montar fazendas na região. Destacaram-se em Três Lagoas como pioneiros na industrialização, instalando-se principalmente no rio Santa Quitéria. Minha ligação a essa família vêm através de um 5º avô de nome Bernardino Corrêa Neves, filho de Luís Corrêa Neves Neto e Leodora Rodrigues da Costa, que casou-se com a sua prima Maria Joaquina de Freitas. Este casal, por sua vez gerou ao meu tetravô José Bernardo Corrêa, que também unir-se-ia a uma prima, Antônia Garcia Leal, filha do Tenente Francisco Garcia Leal e de Laudelina Carolina de Almeida.
Nessa mesma linha eu continuo através do meu trisavô Francisco Januário Garcia, que contraiu matrimónio com Francisca Teodora da Fonseca, filha de José Mathias de Souza e Silvéria Teodora da Fonseca, fazendeiros na freguesia de Nioaque, anteriormente instalados nas terras de Santa Maria, região de Rio Brilhante. São descendentes dos clã Sousa e Fonseca, esta última, era uma família portuguesa que seguiu o caminho dos Barbosa e dos Martins Pereira, instalados principalmente na região de Campo Grande e Nova Alvorada do Sul.
PEREIRA DOS SANTOS
Descendente duas vezes do mais famoso dos membros dessa família, deixarei aqui um relato carinhoso da família. Pertenço a esta linhagem por dois dos filhos do Coronel Antônio Trajano dos Santos, fundador da cidade de Três Lagoas. Ao todo, o desbravador teve onze filhos com Maria Lucinda Garcia de Freitas, filha de Anicézio Ferreira de Mello e Laura Garcia de Freitas. Minha ascendência a esse desbravador é pela Olímpia Pereira dos Santos, casada com o seu primo Mizael Ferreira de Mello; e do Alípio Pereira dos Santos, casado com Maria Francisca da Silveira, natural de Frutal, Minas Gerais.
Olímpia viveu poucos anos e deu luz a seis filhos, um menino e cinco meninas, residindo na fazenda Brioso e posteriormente na fazenda Barra Mansa. Ela e o seu marido, eram primos pela família Ferreira de Mello, seus sogros eram o Antônio Paulino da Costa, filho de Agostinho Paulino da Costa e Severina Maria de Mello; e Maria Rita de Mello, filha do Rafael Ferreira de Mello e Helena Maria da Conceição. Desta forma, posso afirmar que minha bisavó Antônia Ferreira de Mello era fruto de uma típica família endogâmica.
Já o Alípio, casou-se com uma mulher de família abastada em Minas Gerais, que comprou fazendas por um tempo em Mato Grosso do Sul. Sua esposa Maria Francisca, pertencia a duas famílias terra-tenentes do triângulo mineiro e oeste de São Paulo, os Silveira e os Campos, que tinham origem nos Açores e norte de Portugal. Inclusive, os Silveira que me refiro, descende dos Van Haggem originários da Frísia.
FERREIRA GUIMARÃES
Essa família pode ser considerada um ramo da família Santos, por sua célebre descendência no fundador de Três Lagoas e continuidade de ligações familiares com a mesma. Longe de ser muito numerosa, a sua origem em três famílias locais importantes, ofuscam a sua raiz no patriarca goiano Juscelino Ferreira Guimarães, filho do bracarense Lino Ferreira Guimarães e de Antônia Soares da Silva, filha do comerciante portuense Antônio Soares da Silva.
Destacou-se na região por doar 3.600 hectares para formar o distrito do Pouso Alto e ter sido escrivão de um cartório local, tendo-se hoje uma avenida e uma escola em sua homenagem no local.
Juscelino casou-se duas vezes em Mato Grosso do Sul, em primeiras núpcias com Elvina Ferreira Ottoni, com quem teve o filho Alberto Ottoni Guimarães, vereador várias vezes em Água Clara; e segundas núpcias com Antônia Ferreira de Mello, neta do fundador de Três Lagoas, com quem teve doze filhos.
Após o casamento com Antônia, o casal adquiriu em janeiro de 1925 a extensa propriedade denominada de Pouso Alto, um colosso de 12.063 hectares, deixada aos filhos por doação com usufruto vitalício em 1979.
Descendo do casal Juscelino e Antônia, por via do meu avô João Ferreira Guimarães, primogénito do casamento. Ele por sua vez, retornando as tradições de sua família materna, casou-se com a sua prima Adelaide Teodora dos Santos, filha de Arnaldo Pereira dos Santos e Izabel Teodora da Fonseca. Por esta via, eu me ligo novamente aos Garcia Leal, Santos e os Mello, além de somar a minha ascendência aos Corrêa Neves. Pois meu bisavô Arnaldo era filho do Alípio e da Maria Francisca, enquanto minha bisavó Izabel, era filha de Francisco Januário Garcia e Francisca Teodora da Fonseca.
Meus avós paternos tiveram três filhos: Maria, Antônio e Arrudes. Neste caso, o meu pai é o mais novo dos filhos, Arrudes Ferreira Guimarães que casou-se fora da família, com a minha mãe Cláudia Virgínia, com raízes mistas em judeus e na família Resende, originária de Santa Maria da Feira (Portugal).
ORIGENS ÉTNICAS
A origem étnica é muito homogénea, tendo-se uma predominância da raiz ibérica, principalmente do noroeste da Península. Certamente, Portugal tem a posição de local geográfico onde a maior parte da minha ancestralidade se encontra, com o acrescento da raíz judaica em ambos lados da minha família. No entanto, vou centrar-me na família do meu pai, mais bem estudada e documentada.
Foram estudados três das linhagens patrilineares da minha família, com os ancestrais mais distantes sendo: Lino Ferreira Guimarães, meu trisavô; Antônio Pereira dos Santos, meu 5º avô; e o Agostinho Paulino da Costa, também meu 5º avô. Para sabermos esses dados testamos meu pai Arrudes Ferreira Guimarães, meu tio-avô Alancardec Teodoro da Fonseca e meu primo 3º Ronaldo Antônio Ottoni Costa.
Lá descobrimos que as linhagens todas dão em haplogrupos tipicamente europeo-ocidentais, aliás, o mais comum encontrado em Portugal, o R1b-M19. No entanto, os resultados autossômicos demonstraram algumas surpresas. Como o meu pai é 1/4 descendente dos Guimarães, viu sua componente nortenha de Portugal aumentar, enquanto seu tio e primo tiveram uma parcela maior de contribuição mediterrânica e judaica no seu ADN. Com isto, comprovamos que a genética hebraica persistiu, variando entre 15%-20% da composição genética da família.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Tive em conta, durante estes estudos, as raízes senhoriais da família do meu pai, conforme a minha avó sempre nos falou. Pela seguinte razão, sem considerar aspectos sociais e culturais, eu não conseguiria perceber o peso dessa origem no arranjo dos casamentos, apesar de algumas vezes fugir a regra o casamento dentro da família.
Não dei atenção a família materna, pois esta divide-se em dois ramos: os Resende que foram bem estudados na região de Campo Grande, sendo necessário fazer o mesmo na região do Bolsão; e o judaico, mais difícil de ser elucidado e compreendido.
Também tomo nota que neste texto, eu não abordei a fundo a origem na nobiliarquia paulistana, que boa parte dos meus ancestrais paternos possuem. Aliás, o lastro patrimonial e o acúmulo de terras advém desde os primórdios da colonização branca no Brasil, aumentando consideravelmente conforme se interiorizaram no continente sul-americano.

Rudi Matheus Resende Guimarães – Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, actualmente é mestrando em Estudos Medievais, com especialização na área de literatura de Controvérsia anti-judaica.
Rudi possui o Blog História do Bolsão